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Processo empreendido no âmbito do curso de Pós-graduação lato sensu Habitação e Cidade, com apoio do CAU-SP através do Termo de Fomento n. 017/2022, com título original “Contra-Narrativas: Projeto de Orientação Popular e Capacitação Profissional para ATHIS em contextos urbanos consolidados na Favela Haiti, no bairro da Vila Prudente”

ATHIS

A lei federal 11.888/2008 – de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS) – assegura, para famílias com renda de até três salários mínimos, o direito a uma assistência técnica gratuita na elaboração de projetos, acompanhamento e execução de obras necessárias para edificação, reforma, ampliação e regularização fundiária de suas moradias.

A regularização fundiária, também uma meta nos processos de ATHIS, pressupõe planos urbanísticos que serão sua base, com questões relacionadas à pretendida constituição de um habitat humano digno e ecológico.

Através da lei de ATHIS, assim, é promovida a melhoria de bairros populares declarados como espaços de interesse social, onde vivem, via de regra, aquelas famílias de poucos recursos, e é estimulada sua qualificação em consonância com a legislação urbanística e ambiental.

Residência em ATHIS, com base no curso de Pós-graduação Habitação e Cidade 

Especialização promovida na Escola da Cidade desde 2009, o curso de Pós-graduação lato sensu Habitação e Cidade foi, desde sua primeira edição, organizado com especial ênfase na perspectiva de promover a produção de planos para bairros populares, com o desenvolvimento de projetos em função de possibilidades neles identificadas, algo que hoje se refere como Urbanismo Social. 

A partir de intenções que vinham sendo acalentadas há alguns anos, catalisadas pela oportunidade oferecida com o Termo de Fomento do CAU-SP n.017/2022, o curso passou por uma reestruturação no sentido de se configurar como uma residência baseada no treinamento em assistência técnica a comunidades vulnerabilizadas, com uma presença mais efetiva no território por parte dos estudantes e educadores, aprofundando-se a participação local nos processos de planos e projetos empreendidos.

diagramas feitos pelos estudantes residentes ao refletirem sobre o processo do curso/ residência

Definição do Território a ser trabalhado

Há pelo menos uma década, tem se intensificado a aproximação de dinâmicas do curso Habitação e Cidade com demandas dos movimentos sociais, sobretudo os que lutam por moradia digna. Quando da intenção de se praticar uma assistência técnica na forma de residência naquele curso, o Movimento de Defesa da Favela (MDF) foi o principal interlocutor. Através do MDF se deu a aproximação dos responsáveis pelo curso Habitação e Cidade com a comunidade da Favela do Haiti (na região da Vila Prudente, junto ao limite do município de São Paulo com o município de São Caetano), bairro definido para ser trabalhado na residência em ATHIS promovida na Escola da Cidade. Em interação com o conselho de representantes daquela comunidade, desde o final de 2022, foi feito o planejamento de vivências e oficinas de troca/escuta na comunidade, de maneira que a perspectiva de participação fosse efetiva.

Localização da favela do Haiti, na Zona Leste paulistana
A atual Favela do Haiti resultou de três ocupações anteriores. A primeira delas está indicada na imagem acima, de 2014:
a “Ocupação da Rua Vemag”.
Ocupação Matarazzo-Sabesp: depois da saída da comunidade da Rua Vermag, foi ocupado o terreno de uma antiga fábrica do grupo Matarazzo (destacado em vermelho) e, após uma violenta reintegração de posse, o terreno da Sabesp (destacado em verde): outra violenta integração de posse pôs fim a esta ocupação em Maio de 2015
Atual Favela do Haiti, que ocupa o terreno da Prefeitura indicado em vermelho desde 2016, quando da desocupação dos terrenos da Sabesp e da antiga fábrica do grupo Matarazzo. Todo o processo de sua ocupação inicial ocorreu através de mutirões. Nos primeiros tempos, a maioria das residências era de um só pavimento, com fechamentos de madeira e, gradativamente, foram se consolidando em alvenaria.

Agentes presentes no território

Quando da interação com a comunidade da Favela do Haiti no território, deparou-se com outros agentes: a ONG Gerando Falcões e o Instituto Vozes da Periferia, com o programa Favela 3D, estavam atuando na comunidade e referente a ela já contavam com diagnóstico com dados socioeconômicos e de acesso à infraestrutura. Passaram a atuar também no território o coletivo ECOPANC/ Formação Gaia, em interação com aqueles que se dedicavam a hortas sob a linha de alta tensão, e estudantes da Graduação da Escola da Cidade, além do coletivo Biosaneamento (via Programa Favela 3D), com o qual foi realizada, no âmbito do curso Habitação e Cidade, uma oficina para compreensão da situação da rede de águas servidas na comunidade. 

Em função desses outros agentes presentes no território, a ideia era a de se trabalhar de forma associada. Trata-se de um desafio a articulação de vários agentes em um território – o fato de suas dinâmicas nem sempre serem coincidentes representou uma dificuldade na integração e composição das inúmeras e interessantes ações presentes na comunidade.

Fotos de visitas e levantamento da favela do Haiti realizados por estudantes residentes

Formação do arquiteto e o desafio do respeito aos saberes locais

Frente ao resultado do processo aqui apresentado, emerge uma pretendida troca respeitosa de saberes entre técnicos e comunidade.

Até que ponto os arquitetos, como técnicos, estão preparados para lidar com saberes locais? E, por conta de sua formação realizada em instituições de ensino frequentemente pouco conectadas às comunidades, até que ponto consideram os conhecimentos presentes no território, pouco valorizados e, de forma geral, escamoteados?

Na formação atual em arquitetura, há uma valorização de ferramentas sofisticadas e da construção com materiais de produção centralizada, sem considerar formas tradicionais de construir. 

Trata-se, assim, de um grande desafio compor o melhor que se tem da formação científica técnica, a partir da qual arquitetos urbanistas são atualmente formados, com conhecimentos e saberes construtivos encontrados entre os moradores das comunidades, nesse caso em especial com a comunidade da Favela do Haiti.

texto comissionado 1:

Escuta da Comunidade através de Metodologias Ativas

Lara Freitas – Biourbanista, Instituto Ecobairro Brasil/ Plataforma Arquitetura e Biosfera – GTP Ecobairros

Metodologias ativas nos favorecem em relação ao preparo do corpo-mente-emoção para o processo de ensino-aprendizagem, desenvolvem a autopercepção corporal/mental/emocional/espiritual, exercitam a convivência e o acolhimento, integram o grupo, desenvolvem a “atenção plena”, exercitam a “presença”, motivam para a participação e a troca, abrem os canais da percepção visual/auditiva/sensorial para abordagem dos conteúdos. (UMAPAZ/SVMA. Práticas Integrativas – Carta da Terra em Ação, 2014)

A premissa básica adotada foi a de criação de círculos (maiores e menores) de diálogo, onde essa simbologia traz a oportunidade de compreender que a posição de cada um em círculo é equidistante do centro – onde emerge a possibilidade de perceber o que nos une/converge. Em termos de prática, trabalha os aspectos da: presença, respeito, falar em 1ª pessoa, expressão livre de julgamento, confidencialidade, flexibilidade. 

Giannella (2009) aponta que essa abordagem desenvolve algumas capacidades: gerencia conflitos de forma criativa, alimenta processos de cooperação, entendendo que a (con)vivência da unidade na diversidade; desenvolve a sensibilidade na percepção dos contextos, na escuta do outro e dos olhares diversos sobre determinada situação; e exercita a capacidade de integrar as racionalidades sensorial, intuitiva e intelectiva. (Giannella, Valeria e Moura, Maria Suzana. Gestão em rede e metodologias não convencionais para a gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2009. – Col. Roteiros Gestão Social, v. 2).

Círculos de diálogo trazem a oportunidade de praticar a ESCUTA e nesse contexto trabalha-se três tipos de escuta: ouvir os outros, o que as pessoas presentes estão lhe oferecendo; ouvir a si mesmo, ao que você sente emergindo de dentro de si mesmo; ouvir o todo emergente, a partir dos ambientes com os quais você está se conectando (Presencing Institute, U Theory, por Otto Scharmer)

Para iniciar os trabalhos e abrir os canais de percepção foi feita a observação de atividades nos espaços comuns da comunidade do Haiti, especialmente na praça, e foi feita uma adaptação do instrumento criado pelo Sampapé. Esta metodologia tem a qualidade de mapear as atividades de permanência e uso que acontecem no espaço diagnosticado, assim como a postura que tais atividades acontecem e a diversidade das pessoas. O método pode ser complementado com registro fotográfico e qualificação do espaço e das atividades.

Para estabelecer um diálogo mais aprofundado com o território e uma aprendizagem social da comunidade do Haiti, foi utilizado o Biomapa como fio condutor das conversas e trocas entre os estudantes da Pós e moradores locais. O biomapa é uma tecnologia social participativa que visa promover o diagnóstico socioambiental de um bairro ou município objetivando compreender a realidade social, econômica, cultural e ambiental e com isso, direcionar intervenções socioambientais significativas. 

Para o estudo e pesquisa sobre os espaços comuns, principalmente a praça da comunidade, a metodologia de Placemaking (Fazer lugares) foi a escolhida para criar o espaço de observar e pensar coletivamente as várias dimensões a partir da Mandala sociocultural desta metodologia. Nesse sentido, o placemaking demonstra que a criação de lugares vai muito além da sua concepção física, envolvendo parâmetros como sociabilidade, usos, atividades, acessos, conexões, conforto e imagem de forma a criar vínculos entre as pessoas e o que então será entendido como lugar e pertencimento.

A mobilidade, especialmente a ativa em conexão com o sistema de transporte coletivo, também foi alvo de investigação participativa, principalmente para aferirmos as questões de gênero ligadas a esse direito fundamental e que tem enorme impacto no cotidiano das mulheres da comunidade.

Desenho síntese a partir da dinâmica de Círculo dos Sonhos – desenho realizado pela estudante residente Cynthia Daiane Diniz

texto comissionado 2: 

Escuta do Lugar 

José Rollemberg (Zico) – Arquiteto, Professor na Escola da Cidade

Com ouvidos e olhares atentos fomos desvendando os segredos do lugar. Do alto da estação do metrô, ficamos observando as características do nosso território de intervenção – trecho da planície do vale do rio Tamanduateí. O chão plano, as tímidas elevações formando pequenas encostas e a presença marcante das infraestruturas da metrópole – altas torres metálicas apoiando linhas de alta tensão, o piscinão esvaziado, o presídio, a garagem do metrô, as extensas linhas de trem, as composições em movimento, parecendo de brinquedo. 

Predominando sobre tudo isso, o plano dos telhados do casario baixo, que recobre o chão como um imenso tecido ondulado, obediente aos caprichos do terreno. Conjunto de onde se destacam as carcaças de grandes galpões, que escondem estocagem, produção, vazios e shopping centers. 

Ao longe, o skyline de cidade grande – a vizinha São Caetano do Sul. Para nos lembrar que estamos num dos maiores conglomerados urbanos da história do planeta.

Depois, com os pés no chão, percorremos o lugar. Vimos o Tamanduateí de perto e ali, apesar de todo desrespeito com a natureza, ainda percebemos ecos de uma beleza original. Mais à frente observamos o ribeirão dos Meninos, trazendo suas águas para junto das do Tamanduateí.

Subimos as encostas do vale, do outro lado do Tamanduateí e descobrimos um bairro vizinho animado, onde prédios de dez pavimentos conversam com sobradinhos geminados. Ruas com jovens estudantes e donas de casa, muitos carros e ônibus, pracinhas desniveladas e novos lançamentos imobiliários.

E, por fim e por começo, a Favela do Haiti – um denso conjunto de construções simples, contido num quadrado de 70 por 70 metros, como uma fortaleza no alto de pequeno promontório, com casas geminadas de até cinco andares, feitas de alvenarias sem revestimento, como paredes dessa fortaleza. Dentro dela, o cotidiano de pequeno vilarejo silencioso, onde a vida parece acontecer tranquila na pracinha central e em vielas estreitas e sombreadas – lar de pessoas que lutam e anseiam, pela segurança da posse de seu chão.

texto comissionado 3: 

Comunidade Favela do Haiti e planos para o futuro

Francisco Ferreira de Almeida (Chicão) – Liderança junto ao MDF (Movimento de Defesa da Favela)

A Comunidade Haiti fica localizada na Rua Forte de São Bartolomeu, 51, Vila Prudente. É uma ocupação que ocorreu no dia 13 de abril de 2015 em uma área que pertence à Prefeitura de São Paulo – a ocupação se deu em decorrência de duas reintegrações de posse ocorridas em áreas próximas da atual comunidade e por famílias de baixa renda. Os barracos foram todos construídos em regime de mutirão e todos do mesmo tamanho. Hoje a ocupação tem aproximadamente trezentas famílias residindo – na época da ocupação eram apenas 72. Hoje, com mais de oito anos de existência e resistência, os moradores realizaram diversas benfeitorias no local – tudo em sistema de mutirão. Além das casas, a comunidade conta com um comércio local que atende grande parte das necessidades das famílias. 

Atualmente, com o apoio das ONGs Vozes da Periferia e Gerando Falcões, a comunidade vive um outro momento de transformação com o programa Favela 3D. 

Portanto, essa comunidade está consolidada e totalmente integrada ao bairro: os moradores contam com a visita dos agentes de saúde, filhos nas escolas e creches e demais equipamentos públicos. 

O grande desafio é a regularização fundiária, pois é a regularização que vai dar a tranquilidade tão desejada pelas pessoas de permanecer no local onde estão. Nesse sentido é que eu vejo a importância de parceiros que enxergam isso com preocupação, cito o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e a Escola de Cidade.

texto comissionado 4:

Regularização – REURB-S, segurança na posse para as famílias da Favela do Haiti

Juliana Avanci – Advogada, Centro Gaspar Garcia

O Centro Gaspar Garcia foi procurado por representantes da ocupação em fevereiro de 2019. No primeiro contato, a principal preocupação apresentada era o risco de uma nova reintegração de posse, pois os moradores ocupavam o terreno vizinho à atual Favela quando foram violentamente removidos do local em 2015.

O requerimento de regularização foi elaborado com as informações levantadas e, na sequência, organizou-se uma assembleia com as famílias. Em função da decisão coletiva de aguardar a ocupação completar 5 anos, o pedido foi protocolado na Secretaria de Habitação do Município em outubro de 2020 para reconhecimento da legitimação fundiária como instrumento de titulação.

A partir da formalização do pedido de REURB-S, os moradores puderam avançar nas tratativas de outras demandas como o fornecimento de serviços pelas concessionárias, sobretudo água e esgoto, e dialogar sobre as medidas necessárias para efetivação da regularização fundiária.

texto comissionado 5: 

Contaminação 

Ariane Corrêa Barbosa – Eng. Química, Especialista em Gerenciamento de Áreas Contaminadas 

A contaminação do solo e da água subterrânea é um problema frequentemente presente em áreas urbanas, especialmente na região metropolitana de São Paulo, embora ainda seja amplamente desconhecido pela maioria da população. É de extrema importância abordar essa questão, uma vez que o conhecimento a respeito permite que a sociedade esteja ciente dos riscos invisíveis aos quais está exposta ao habitar uma área contaminada. Essa conscientização é fundamental não apenas para os profissionais da construção civil, que podem tomar as medidas apropriadas antes de erguer edifícios residenciais, mas também para outros setores que possam oferecer assistência e orientação à população em situação de vulnerabilidade. 

Os estudantes do curso Habitação e Cidade da Escola da Cidade tiveram a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre esse tema e aprender as medidas necessárias para apoiar os moradores da Comunidade do Haiti. Isso se torna ainda mais relevante, uma vez que a área circundante é conhecida por ter abrigado antigas indústrias e por ter sido utilizada como local de depósito de resíduos industriais.

Plano para uma Cidade Popular Ecológica

croqui realizado a partir da charrete realizada em Julho de 2023
diagrama de manejo ecológico das águas – concepção Fernando Nigro (Fefa)/ desenho, a partir de original de Fernando Nigro, realizado por Matheus Alves

Apresenta-se aqui uma visão para uma parte da cidade de São Paulo, que tem potencial para ser trabalhada como base de uma proposta de PIU (Projetos de Intervenção Urbana), em um lugar de antigos meandros do rio e de trechos alagáveis do leito maior do Tamanduateí, em que se busca uma harmonia dinâmica com os ciclos naturais. Trata-se de uma proposta de várzea construída e habitada, onde há o convívio das comunidades com os ciclos das águas, com cuidados em relação ao solo e ao ar, com respeito para com todos os seres, e no sentido de uma regeneração de ecossistemas e biomas catalisada por uma ação humana não mais promotora de entropia, mas ação regenerativa.

Esse lugar, no entorno da Favela do Haiti, que foi ocupado ao longo do último século por muitas indústrias, faz emergir também a perspectiva da atenção e reverência quanto ao patrimônio de galpões industriais ali presentes, que poderão ser reciclados para usos habitacionais e de equipamentos relacionados, algo em sintonia com a ideia de reciclagem e postura renovada face à maneira de lidar com os recursos do planeta. 

A visão de cidade aqui proposta se dá a partir de uma recomposição das margens do rio Tamanduateí de maneira a implantar um parque metropolitano que incorpora no seu desenho “soluções baseadas na natureza”, tendo como guardiões desse novo lugar todas as comunidades já estabelecidas e aquelas que poderão ali se estabelecer. Um parque metropolitano com recomposição das margens do rio Tamanduateí, que se entrelaça com áreas construídas no seu entorno a partir da premissa de que 20% da superfície tanto de áreas privadas como públicas sejam de lagoas de retenção vegetadas. Lagoas plantadas com macrófitas, espécies que promovem a fitodepuração das águas e, interligadas a elas, áreas vegetadas que resistem bem a uma condição encharcada (40% da superfície geral) – “jardins de chuva” que poderão ampliar a capacidade das lagoas de retenção em situações de grandes cheias ou chuvas extremas. Nos 40% de áreas restantes, indicação de pisos elevados drenantes sobre planos preparados para reter águas a serem conduzidas gradualmente aos jardins de chuva fitodepuradores, podendo ser captadas e armazenadas para serem utilizadas localmente e seu excedente lentamente ser conduzido ao Tamanduateí. O quadro passa a contar com a totalidade da superfície da várzea original do rio retomando sua dinâmica de retenção e depuração das águas, agora a partir de uma transformação antrópica com manejo ecológico das águas das chuvas, com também a possibilidade de se tratar as águas servidas das novas unidades habitacionais em jardins alagados construídos ou wetlands, pensados de maneira a hidratar a paisagem da várzea, reforçando e recuperando a característica original naquela área, de várzea larga de um rio sinuoso. É favorecida, assim, a promoção e manutenção da vegetação e fauna nativas, e a presença dos seres que garantem resiliência a esse pequeno ecossistema. Seres que mostram uma perspectiva real de regeneração, certamente um bom caminho para nossa sobrevivência neste planeta.

Nos novos conjuntos construídos para áreas de provisão, há o estímulo a térreos elevados complementares aos térreos no rés-do-chão intermitentemente encharcados, evocando uma reinterpretação de construções sobre palafitas, pertinentes à condição de várzea recriada. A proposta é que as novas construções estejam entrelaçadas com galpões existentes reciclados para novos usos (residencial, equipamentos e mesmo uso industrial não poluente) e que seja feita uma reestruturação no Shopping Center ali existente. No edifício recomposto do Shopping Center, a ideia é a de que o plano no seu rés do chão passe a ser uma extensão do parque metropolitano, com pátios criados que possibilitam a iluminação e ventilação no edifício atual e que garantem sua recriação como grande marquise sob o centro de compras utilizado pelas comunidades do entorno e também lugar de trabalho de seus moradores. Os estacionamentos subutilizados do Shopping Center, assim, passam a representar oportunidades de reinvenção dos espaços coletivos de convívio, ecológicos e atraentes, para encontros e atividades que incluem todas as faixas etárias, sempre pensados em termos de serviços ambientais que contribuem para a resiliência e regeneração local e planetária.

retrofit shopping – rés-do-chão parque/ desenho de Matheus Alves
rua Guamiranga com infraestrutura verde/ desenho de Matheus Alves

Plano urbano e projetos relacionados – considerações gerais

O estudo urbano aqui apresentado se deu na perspectiva de o processo de ATHIS relativo à Favela do Haiti se deparar com as várias escalas presentes em um projeto de melhorias para uma comunidade com precariedades. 

A partir da constatação de ser imprescindível verificar a existência de solo contaminado no terreno onde está a comunidade da Favela do Haiti, algo necessário para fazer avançar um processo de sua regularização, no âmbito do grupo de ATHIS relacionado ao curso Habitação e Cidade passou a se pensar em cenários possíveis, até que se faça a investigação do solo que indicará objetivamente um caminho a seguir. No que diz respeito a essa inquietação, sobre o terreno vizinho da Favela do Haiti, de propriedade da Sabesp, tivemos acesso a um laudo com a recomendação de não permitir ali o uso residencial, e também nos chegaram informações sobre o terreno do outro lado da rua em que se dá o acesso à comunidade, onde ficava uma fábrica ligada ao grupo Matarazzo, que é um case conhecido entre especialistas no que se refere à contaminação por uso industrial no município de São Paulo.

A expectativa é a de que o material aqui apresentado seja uma ferramenta para a comunidade da Favela do Haiti, com o fundamental apoio do MDF, seguir com sua luta por uma vida digna para seus moradores, consciente das circunstâncias e possibilidades diante das quais se encontra. 

Dentre os cenários possíveis face às circunstâncias aqui referidas, as seguintes propostas foram desenvolvidas:

Proposta 1 – Em uma visão entendida como otimista, a partir da hipótese de o terreno não ter uma contaminação que inviabilize a permanência da comunidade, o projeto aponta para algumas remoções em função da adequação à faixa de segurança da linha de alta tensão ali existente, algo no sentido de possibilitar a regularização fundiária (a comunidade está em um terreno público que, caso não seja contaminado, é “regularizável”), e algumas remoções para melhoria das condições de salubridade na comunidade. 

Segundo o memorial apresentado pelos estudantes, a proposta defende:

“(i) Demolição de algumas edificações da favela do Haiti para a construção de módulos sanitários necessários e, ao mesmo tempo, acabar com situações insalubres através de melhor ventilação e iluminação natural; (ii) Aproveitamento do material de demolição das casas para fundação dos novos edifícios e módulos sanitários; (iii) Paisagismo com jardins e dispositivos para manejo integrado das águas pluviais; (iv) Rua de acesso à comunidade recomposta como via compartilhada e de conexão com parque no antigo terreno da fábrica Matarazzo”

estudantes envolvidos na realização da proposta 1: Jéssica Casteluci Labrego, Fabiana Borges de Freitas, Clauthion Gomide Passos, Carolina Costa Camargos

Propostas para os caminhos da Favela do Haiti

Proposta 2 – Trabalha com a ideia de uma remoção total, mas gradual, com reassentamento interno (das famílias no próprio terreno), depois de um tratamento do solo local para impedir efeitos da contaminação. Tanto a proposta 1 como a proposta 2 contam com a possibilidade de se utilizar o terreno vizinho à comunidade atual, marcado como ZEIS pela legislação, pertencente atualmente à Sabesp, para a construção de área de provisão para receber famílias removidas, algo que pressupõe o tratamento do solo para permitir o uso habitacional (em função do laudo acima mencionado). 

Segundo o memorial apresentado pelos estudantes, a proposta é de um “novo conjunto residencial aproveitando o mesmo local da Favela do Haiti, incorporando o terreno vizinho, pertencente à Sabesp. Para viabilizar o empreendimento, considerou-se a construção faseada e transferência gradual das famílias para as novas unidades habitacionais. Foram consideradas as áreas de comércio local praticado pelos habitantes”. 

estudantes envolvidos na realização da proposta 2: Uilian da Luz Marconato, Vinícius Mamelli Cossovan, Pedro Lacerda Madureira Feriotti, Rebeca Rodrigues Batista, Kauê Caetano Lopes Leker, Ana Laura Oliveira Costa, Karen Graziely dos Santos Prado, Amanda Silva Bastos

Propostas 3, 4 e 5 – As três propostas trazem projetos para outros terrenos nos arredores da Favela do Haiti, marcados como ZEIS (ou passíveis de serem pleiteados como tal) pela legislação vigente, articulados no plano geral por uma visão possível para aquela parte da cidade, ressignificada como uma “Cidade Popular Ecológica”. No seu conjunto, as cinco propostas, ao lidarem com um trecho importante da várzea do rio Tamanduateí, apontam para a constituição de uma grande área de reassentamento naquela parte da cidade, apoio para que se possam regularizar as comunidades do entorno (além da Favela do Haiti, outras favelas como Ilha das Cobras, do Peu e a da Vila Prudente, mais antiga favela que subsiste na cidade de São Paulo – sua ocupação remonta à década de 1940, e também do Complexo de Heliópolis e de comunidades junto ao córrego dos Meninos) e, eventualmente, mesmo de comunidades em áreas mais afastadas que ali também poderiam contar com áreas de provisão para acolhimento de famílias removidas, em uma gestão compartilhada entre movimentos por moradia (articulados com o MDF) e poder público. 

Proposta 3 (Memorial apresentado pelos estudantes)

Considerando a provável contaminação do solo do terreno no Haiti, a linha de alta tensão e a provável instabilidade construtiva das edificações, a proposta consiste no reassentamento das famílias no terreno marcado como ZEIS ao lado da estação Tamanduateí. Em função da condição de várzea da região, o térreo do conjunto proposto foi projetado para ser predominantemente permeável, com a presença de lagos e água nos espaços públicos, com áreas comerciais e uso misto. Quanto às unidades habitacionais acomodou-se o maior número de famílias possível.

estudantes envolvidos na realização da proposta 3: Bruna Medeiros de Pádua, Caroline Santana Luiz, Cassia Cristina Aielo Matsuuno, Dione Deise Silva Soares, Elane Lopes Silva, Pedro Flosi Trama, Renata Neres Ribeiro de Lima, Victória Guedes Dias

Proposta 4 (Memorial apresentado pelos estudantes)

Implantação com as premissas de respeitar a declividade do terreno, o caminho das águas e uma divisão em subáreas que ladeiam uma área de fruição pública central. Nas subáreas estão os edifícios de uso residencial, com térreo de uso comum para os moradores, formando pequenos núcleos. Nos limites desses núcleos – e, ao mesmo tempo, da fruição central – ficam edifícios de uso residencial com o térreo ativo (com comércio e serviços). A fruição central funciona como um grande retentor e depurador de águas pluviais e servidas. Através de seus pequenos canais e lagos vegetados, retarda-se a chegada das águas no Rio Tamanduateí.

estudantes envolvidos na realização da proposta 4: Ana Luísa Ciccarelli Baccaro, Camila Brezan Shiraiva, Cynthia Daiane Diniz, Débora Neri dos Santos, Pamela Coupey, Williane Pereira da Silva

Proposta 5 (Memorial apresentado pelos estudantes)

A partir do estudo das fragilidades e potencialidades da área, o projeto visa trazer melhorias e infraestrutura para a região da Vila Prudente. O perímetro demarcado foi dividido em 4 partes, sendo elas: (i) Habitação: 346 unidades que atendem os moradores da Comunidade Haiti, e possibilitam atender moradores das comunidades vizinhas. As unidades têm cerca de 45 m2, os edifícios contam com elevadores, vagas e comércio; (ii) conexão com parque linear público: melhorias ambientais e um novo espaço de convivência; (iii) Educação: considerando a demanda proposta; (iv) Cultura: com o restauro de galpão existente (v) Esporte: utilizando área que já tem este destino.

estudantes envolvidos na realização da proposta 5: Raphaela Rodrigues, Debora Tellini Carpentieri, Marina Resende Gaia de Souza, Ariadnes Cardoso, Miguel Vieira, Josiane Retzlaff

Textos escritos pelos coordenadores do curso Habitação e Cidade, exceto pelos textos comissionados, com indicação de autoria e textos produzidos pelos estudantes (na linha do tempo, na descrição das oficinas e memoriais das propostas).

Curso de pós-graduação Habitação e Cidadeedição 2023

Coordenação 

Luis Octavio de Faria Silva (Li); Maria Teresa Fedeli; Rafael Abelini; Ruben Otero

Apoio à Coordenação

Antonio Balbi; Beatrice Perracini Padovan; Laura Pappalardo; Maria Fernanda Godoy; Raiza Barrera Vega

Assessoria Jurídica

Maria Aparecida Correia da Silva, representante do escritório Correia & Vieira de Carvalho Sociedade de Advogados

Apoio Contabilidade

Luana Rodrigues de Torres; Tamara Pereira

Apoio Administrativo

Jairo Bissolato

Professores/ Educadores/ Facilitadores

Alfredo Brillembourg  (Urban Think-Tank); Ana Beatriz Giovani (Sem Muros Arquitetura Integrada – escritório colaborativo); Anália Amorim; Annelise Picolo Agostinho (Bio saneamento); Ariane Corrêa Barbosa; Bia Goll; Bruno O. (JAMAC); Candelária Reyes; Coletivo ECOPANC/ Formação GAIA; Daniela Ramalho; Elias Fonseca  Damascena (Instituto Favela da Paz); Elisabete França; Fabio Miranda (Instituto Favela da Paz); Fernando Nigro; Flavia Burkatovsky (Sem Muros Arquitetura Integrada – escritório colaborativo); Heliana Mettig; Isabel Cabral; Izabel Gomes (JAMAC); Jorge Jauregui; José Guilherme Schutzer; José Rollemberg (Zico); Juliana Avanci (Centro Gaspar Garcia); Lara Freitas; Leticia Sabino (Caminhabilidade/Sampapé); Liza Andrade; Luis Mauro Freire; Luiz Roberto Fazio (Bio saneamento); Marcos Boldarini; Maria Teresa Diniz; Mario Biselli; Noelia Monteiro; Pedro Telecki; Pi Cauby (Conexão Cultural); Rádio Poste; Roberto Santos; Valdemir Rosa; Vanessa Padiá; Vinicius Andrade; Violeta Kubrusly

estudantes/ residentes

Amanda Silva Bastos; Ana Clara Gurgel Santos; Ana Laura Oliveira Costa; Ana Luísa Ciccarelli Baccaro; André Mendonça; Garcia; Andreia da Silva Santos; Ariadnes Alexandrina Cardoso; Bianca Leandro dos Santos; Bruna Medeiros de Pádua; Bruno José Albuquerque A. Barbosa; Camila Brezan Shiraiva; Carolina Costa Camargos; Carolina França Netto Chiodi; Caroline Santana Luiz; Cassia Cristina Aiello Matsuno; Clauthion Gomide Passos; Cynthia Daiane Diniz; Daniel Francisco de Melo Moreira; Débora Neri dos Santos; Débora Tellini Carpentieri; Dione Deise Silva Soares; Elane Lopes Silva; Fabiana Borges de Freitas; Jéssica Casteluci Labrego; Josiane Retzlaff Aguiar; Juliana Souza Santos; Karen Graziely dos Santos Prado; Kauê Caetano Lopes Leker; Leticia Macellari; Marina Resende Gaia de Souza; Miguel Ângelo Da Silva Vieira; Pamela Batista Coupey Alves; Pedro Flosi Trama; Pedro Lacerda Madureira Feriotti; Raphaela Rodrigues Pereira; Rebeca Rodrigues Batista; Renata Neres Ribeiro de Lima; Roberta Rissardi Todesco; Silas Sérgio De Assis; Uilian Da Luz Marconato; Victoria Guedes Dias; Vinicius Mamelli Cossovan; Williane Pereira da Silva

Apoio comunitário na Favela do Haiti

Ana Lúcia Tenório Cavalcante (Nê do Joãozinho); Ana Paula Barreira Moreno; Benedito Limeira da Silva; Diually Freitas; Eliana Coutinho; Francisca Izamar G da Silva (D. Iza); Gleice dos Santos; Lucas dos Santos Assunção; Maria Luísa dos Santos Alves; Neusilene Maria de Jesus Dias; Vanderson Oliveira Dias (Dudu)

MDF (Movimento de Defesa da Favela)

André Delfino da Silva; Francisco Ferreira de Almeida (Chicão)

Agradecimento especial ao Padre Assis (Ivaldino de Assis Mendes Tavares)

Professores e estudantes da Graduação da Escola da Cidade, relacionados ao Exercício Único, em 2023-1, sob a coordenação de Roberto Pompéia, Noelia Monteiro, Pablo Hereñu, Valdemir Rosa, Carlos Ferrata

Ilustração capa do post: Marília Marz